Fugas que se movem
A trajetória de Stella Margarita pelo circuito artístico do Rio de Janeiro foi breve, mas profundamente marcante. Esta exposição apresenta um recorte significativo de sua produção, reunindo algumas de suas principais séries: Abraços, Álbum de Família e Fotogramas. Essas obras têm em comum a investigação da dimensão humana e do movimento físico e emocional. O movimento é um elemento central na linguagem de Stella. Ele se revela na pincelada livre e marcante, nos flagrantes de cenas cotidianas, e nas apropriações que fez do cinema e da performance, incorporando essas expressões a sua própria. Mas trata-se sempre de um movimento em fuga — fugas que se movem, fugas que retornam. É nessa constante busca e deslocamento que sua obra pulsa com uma densidade psicológica única. Muitas vezes perturbadora. Um convite à fuga, e ao retorno. A proposta desta exposição é oferecer ao público uma imersão nessas fugas: uma visão de mundo singular, ancorada na dimensão humana mais do que na estética pura. Embora sua técnica fosse apurada, o verdadeiro motor de sua criação foi o sentimento. Stella buscava traduzir emoções em imagem — e, por isso, dedicou-se intensamente a retratar olhares, gestos, abraços. Fundos marcantes, muitas vezes abstratos, revelam atmosferas emocionais. Os personagens parecem levitar, cair, escapar. Mas como se trata de fugas que se movem, há sempre a possibilidade do reencontro, da volta. Stella iniciou sua formação artística tardiamente, na Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Produziu intensamente por cerca de uma década, combinando urgência criativa e consistência técnica. Reinventou-se diversas vezes — adotou novos nomes, novos projetos e abraçou uma nova missão artística. Ganhou prêmios, como o IBEU, participou de uma residência em Leipzig, e integrou diversas exposições. Sua ascensão, no entanto, foi abruptamente interrompida em 2020 por um diagnóstico de ELA bulbar, uma forma agressiva e rara da doença. Frente à progressiva limitação motora, Stella impôs-se uma nova resistência. Espalhou em seu ateliê a frase “fuerza carajo”, como um grito de vida, e seguiu criando. Em 2021, montou um estúdio improvisado em Genebra, onde considerava iniciar um tratamento experimental. Contudo, optou por voltar ao Rio de Janeiro, e transformou sua casa em espaço de produção. Mesmo com a redução da motricidade e do tamanho dos quadros, a potência emocional se manteve intacta. Talvez como um gesto de ironia poética, suas últimas telas retratam cenas leves da vida familiar — cores quentes, ambientes externos, cotidianos ternos. Uma fuga? Ou talvez uma síntese? Stella nos deixou em 2022, aos 66 anos de idade. Atualmente sua obra está retratada na novela Vale Tudo da Rede Globo como sendo a obra da personagem Heleninha, uma mulher perseguida por seus fantasmas e em constante fuga. A expressão “fugas que se movem” é de Stella. A partir dela, construímos este retrato curatorial, um convite à imersão na força psicológica e humana de sua pintura.
